Globalização e línguas em risco de extinção

12/04/09 · ·

A globalização a que vamos assistindo em todos os sectores, juntamente com a comunicação que é cada vez mais intercultural, constituem-se como dois dos factores que mudaram o paradigma em relação à profissão do tradutor. De facto, através do efeito GILT [acrónimo para Globalização (G11N), Internacionalização (I18N), Localização (L10N) e Tradução (T9N)], a profissão de tradutor foi uma das primeiras a ser globalizada. No entanto, esta mesma globalização e comunicação intercultural fará com que metade das cerca de sete mil línguas faladas em 2007 morra até ao fim deste século.

Segundo Wade Davis, antropólogo, etnobotânico e explorador residente da revista National Geographic,
"cada língua é uma floresta ancestral da mente, um manancial de pensamento, um ecossistema de possibilidades espirituais".
De facto, a língua é a mais profunda expressão de identidade de um grupo, sendo simultaneamente o meio mais eficaz de transmitir o seu rico património cultural e humano de geração em geração. No entanto, o paradoxo da globalização é que, ao mesmo tempo que promove o contacto íntimo com culturas e línguas estrangeiras (miscigenação de culturas), faz diluir a diversidade cultural existente. Neste sentido, milhares de tradições culturais e linguísticas desaparecem com a adopção/fusão/assimilação das línguas dominantes.

Segundo a edição especial da National Geographic Portugal - O Estado do Planeta (Maio de 2008) encontrado cá por casa nas arrumações,
"o processo de extinção das línguas começa por revestir a forma de discriminação e culmina em assimilação. O nosso mundo urbano e globalizado é impiedoso para milhares de línguas locais que outrora serviram como elemento de consolidação de vínculos familiares, tribais e nacionais. Na era da integração, estamos a perder elos vitais com a nossa história remota e mananciais únicos de conhecimento, sabedoria e cultura".
Das cerca de 6700 línguas existentes, 3586 são consideradas línguas pequenas, 2935 são médias e apenas 83 consideradas grandes. Na razão inversa, há 8 milhões de falantes das línguas pequenas, 1200 milhões de falantes das línguas médias, e 4500 milhões de falantes das línguas grandes. Todas essas línguas pequenas estão, portanto, ameaçadas de extinção, do grau mais reduzido para o mais severo. Note-se que à semelhança das espécies biológicas, as línguas são também mais numerosas e variadas em algumas regiões do globo, concentrando pontos de grande actividade linguística com muitas línguas ameaçadas sem qualquer relação entre si. Por exemplo, na Austrália o grau de diversidade linguística atinge 231 línguas, na Indonésia 737 e na Papua Nova-Guiné 820. Verdadeiros paraísos linguísticos e biológicos. Muitas destas línguas, faladas por aborígenes, curandeiros, grupos tribais ou outros, são autênticos repositórios de conhecimento sobre plantas medicinais, animais e minerais. Quem não gostaria de recolher, e até mesmo falar, um pouco de algo único que a globalização e a miscigenação de culturas nos está a fazer perder?

Para mais informações, consultem-se as páginas da UNESCO sobre as línguas ameaçadas, incluindo um atlas electrónico e em versão pdf (20 MB).

4 comentários:

Cristóvão disse...
13/4/09 22:30  

Boas! Antes de mais, parabéns pela nova estética do teu blog. Acho-a sóbria e elegante. Para além da "plástica", acho que os conteúdos são interessantes e escolheste um excelente tema para começares.
É óbvio que as línguas "grandes" estão cada vez mais presentes nas nossas vidas, essencialmente por motivos económicos e para facilitar a comunicação entre vários povos.
Neste contexto, as línguas "médias" e "pequenas" vão pouco a pouco desaparecer, por se tornarem inúteis a nível internacional. Infelizmente, não podemos impedir que isto aconteça até porque favorecemos isso, não hoje, mas sim há muitos anos atrás. Alguns dirão que começou nos Descobrimentos. Porque não? Até tem lógica. Eu vou apenas limitar-me à Revolução Industrial.
Porém, a nível local, há formas de revitalizar estas línguas. Trata-se essencialmente de um aspecto social que tem como objectivo fazer sentir as pessoas como pertencendo a uma comunidade específica. Assim foi o caso do Mirandês onde as pessoas orgulham-se de saber falar a língua da terra, a língua dos seus antepassados. Lá fora, este fenómeno também existe e passo a citar apenas os exemplos do Basco, do Galego, do Catalão e do Bretão (em França).
Hoje, o que me preocupa mais, nem é o facto das línguas ditas "médias" ou "pequenas" virem a desaparecer, mas sim o facto de algumas das línguas "grandes" virem pouco a pouco conquistar o espaço de outras línguas “grandes”.
Passo a explicar-me melhor... Há alguns anos atrás, eu via os nossos políticos falar Português quando decorriam conferências internacionais. Agora, vejo cada vez mais estes mesmos políticos discursar em Inglês. Porquê? Para poupar trabalho aos intérpretes?...Muito obrigado para eles. Para mostrarem que sabem falar outra língua?...Fantástico, até um puto do 9º ano sabe falar Inglês. Fora de brincadeiras, custava-lhes muito falarem em Português e manter bem viva a nossa língua?
Não sei se a língua Portuguesa corre perigo. Suponho até que o acordo ortográfico, de certa forma, vem ajudar o nosso idioma a permanecer bem vivo apesar de algumas (justas) críticas.
Deixo-te pensar nisso...
Abraço

Igor disse...
14/4/09 12:47  

Muito obrigado pelos teus comentários sobre o blogue e sobre esta entrada.

Concordo plenamente com o que dizes. São os efeitos da aldeia global em que vivemos actualmente. E, como dizes, há formas de revitalizar essas línguas. Veja-se, por exemplo, a página da UNESCO sobre as boas práticas para a preservação das línguas em http://www.unesco.org/culture/ich/index.php?pg=00145 (não falam do Mirandês e das outras línguas que referes, mas de outras mais minoritárias). Também não percebo por que é que os nossos políticos discursam cada vez mais noutras línguas, deveriam sim preservar e difundir a nossa, além de darem trabalho a tradutores e intérpretes, mas isso também já pode ser o resultado de condicionalismos das organizações dos eventos. Quanto ao acordo ortográfico, espero sobretudo que venha reforçar a posição da nossa língua no mundo, penso que é o seu factor mais importante.

Unknown disse...
15/4/09 00:02  

Igor, Parabéns! :D

Igor disse...
15/4/09 09:58  

Obrigado Filipa eheh :D

breves

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